quinta-feira, 24 de maio de 2007

Ê Bahia...

Tento concentrar-me para começar a escrever algo, seguindo os conselhos que Milena Brasil havia descrito no texto anterior, dica de um escritor, acho que trata -se de Charles Bukowski, onde ele disse que a melhor inspiração para escrever é escrever, ou seja, uma palavra puxa outra. Mas, se existe uma coisa que me irrita é barulho, principalmente os que não saia de uma guitarra, que seja no lugar errado e na hora errada.

Trabalho e estudo no Centro de Salvador e nesse exato momento em que escrevo, uma passeata segue a Avenida Sete de Setembro. São manifestações contra o arrocho salarial, enquanto isso, uma loja de confecções que dispõe de duas caixas gigantes de som na sua porta, toca arrocha bastante alto pra chamar a freguesia. Do meu lado o presidente da minha instituição fala aos berros com alguém que o irritara, paralelo a isso tudo, o “Word” fecha a todo o momento, depois de disparar na tela uma caixa exibindo uma crítica de erro, tudo corre contra, mas mesmo assim eu não desisto e continuo escrevendo.

E por falar em centro de Salvador, devo dizer que já estou sinceramente de saco cheio. A todo o momento explodem manifestações sem sentido, sem embasamento, sem organização, sem alma. Comerciantes que buscam eternamente algo que nunca alcançam, negros radicais que brigam contra a aprovação da lei da maioridade penal, sob justificativa que isso atinge diretamente a população negra. Ora bolas me economize. Sem contar nos camelôs que tomam as ruas vendendo DVD de três reais, maçã de um real, pano de prato, presilha, boné, a porra toda.

As pessoas não reparam por onde andam, chocando-se contra você o tempo todo, hipnotizam-se por vitrines, entopem os shoppings, mesmo sem ter nem um centavo no bolso pra comprar um chiclete big-big ou acotovelem-se pra ver Hollifield ou Zebim numa transmissão ao vivo para a TV Aratu, no programa do Bocão, mesmo que para isso precise chegar atrasados em seus trabalhos, levar “mijada” do patrão e ainda reclamar que é incompreendido e “ômilhado”.

Tenho pena da população baiana. Se você parar no meio da rua e começar a plantar bananeira é um motivo para que logo se aglomere uma multidão ao seu redor, curiosos em presenciar tal feito, mesmo que eles não entendam bulhufas do que está acontecendo e na maioria das vezes é isso que acontece, tanta gente se aglomera ao redor de qualquer coisa, que quem está atrás passa a maior parte do tempo tentando chegar na frente pra ver o que está acontecendo, e logo percebe que não consegue entender nada, tempo perdido.

Outro dia um velho professor de filosofia resolveu inovar, parou o seu carro no Relógio de São Pedro, abriu a mala do veículo, uma adaptação de trio elétrico e começou a ministrar uma aula, a surpresa foi que ninguém ficou ao redor, ou melhor, uma mendiga seminua, dançando arrocha ao som das explicações da teoria freudiana. Passados cinqüenta minutos, o professor desistiu e revoltado gritou no microfone, “liberta-te ó meu burro povo!”. Mas, o professor não saiu sem nada, ele ganhou algo, coisa de valor, certamente receberá em sua casa o prêmio, uma multa aplicada pela viatura da SET (Superintendência de Engenharia de Tráfego).

* Leonardo Parente

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Escrever, como?

Como começar um texto? É bom iniciar com perguntas? Aqui no PPF, posso fazer o que eu quero, posso tirar o paletó e a gravata do jornalismo brasileiro, como o Pasquim fazia, só não sei se dará certo, pois o difícil é saber o que pode ser escrito para agradar e o que pode ser entendido como inovação. Vindo de alguém como eu, uma estudante de uma faculdadezinha qualquer, só poderia ser visto como palhaçada e provavelmente eu seria ridicularizada, se já não estou sendo.

Ando me questionando sobre inspiração e sempre lembro do conselho de um escritor que dizia que a inspiração para escrever, é escrever. Palavra puxa palavra. Percebi, que pelo menos aqui, não preciso escrever para agradar. O blog é minha oficina e não preciso me preocupar com a qualidade do material, se eu escrevi é porque achei que deveria e não preciso me sentir menos inteligente só porque escrevi algumas bobagens.

Milhares de idéias e palavras surgem, mas não consigo aproveitar quase nada, ou será que preciso pensar devagar? O editor do Pareporfavor tem me cobrado um texto a algumas semanas e com essa minha crise criativa, como ele mesmo diz, estava prolongando a entrega. O editor não é meu chefe, acho que somos sócios. Mas, eu queria mesmo é ter a moral do Tarso de Castro, que no deadline esgotado ele escreveu blábláblá numa folha inteira e assinou em baixo e seus leitores acharam fabuleux. Realmente foi uma idéia originalíssima na época, uma crítica ao jornalismo seco e obrigatório. Mas, a única semelhança entre eu e o Tarso, é que não temos de chefe, talvez até eu esteja escrevendo blábláblás e não esteja me dando conta.

Encontrei o livro Jornalismo e Literatura, a sedução da palavra. Não li nem o prefácio e paguei os treze reais que a livraria me cobrou. Gustavo de Castro e Alex Galeno reuniram algumas obras de escritores que falam sobre a relação literatura/jornalismo na contemporaneidade. Como não tinha nenhuma informação do livro, pela capa imaginei que seria o que eu precisava, que me daria algumas dicas de como escrever e que seria mais um daqueles chatos livros técnicos de Comunicação. Mas, os textos são ainda melhores, os autores dizem o que eu preciso saber, em forma de ensaios.

Enquanto escrevo esse texto, as palavras estão surgindo. Para mim funcionou, para você que lê, não da para adivinhar o efeito que irá causar. Quero finalizar com Guimarães Rosa, “O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”.



*Milena Brasil

sábado, 12 de maio de 2007

Rubens Maravilha. (PARTE FINAL)

Eles gritavam muito e murmuravam, muitas vezes falando um dialeto que certamente eu não entendia bulhufas. O jogo ao qual gerava tanta polêmica consistia em um copo de madeira e dentro dele três dados. Alguém virava aquele copo com força na mesa e comemoravam algo ou não, quando os dados paravam revelando os números. A aposta era a 50 “cents” ou três cigarros.

Do lado direito, um solitário senhor tomava sua cerveja. Carrancudo, mas ainda assim, bastante cumprimentado. Soberbo, ele apenas balançava a cabaça quando as pessoas chegavam na mesa para falar com ele. Foi quando de repente à garçonete nos trouxe uma garrafa de cerveja morna. Ela nos avisa que era um presente do cavalheiro à direita, para minha surpresa.

Juan me olha, sua expressão é confusa como sempre. O senhor então levanta um copo, como se brinda, gritando:

- Buena onda! Buena onda!

Fiquei constrangido, porém fui cumprimentá-lo pela cerveja. Antes da metade do caminho que eu percorreria para chegar até ele, fui poupado, pois o carrancudo senhor veio ao meu encontro trazendo sua cerveja e sentando-se a nossa mesa, na cara dura.

Devidamente acomodado e de copo cheio, ele se apresenta.

- Me lhamo Rubens, soy professor de Matemática e vos?

Referia-se a mim. Rubens possuía nitidamente um sotaque argentino e então respondemos com boa vontade:

-Soy estudiante de Periodismo.

-Yo soy analista de sistemas.

Rubens então fez uma expressão de contentamento dizendo:

- Hijo de puta, neno! Estoy hablando com las personas correctas, estoy sempre aburrido i solo.

Pergunto a ele sobre todas as pessoas ao seu redor, sobre toda aquela gente que o cumprimentou e ele me responde que são um bando de ignorantes e bate na mesa irritado.

- Hijo de puta, neno! Yo conozco todo el mundo!

Claro que não! Aquele velho maltrapilho. Bateu-me então uma crise preconceituosa. Barba por fazer, paletó parecendo aqueles de dez reais que vende na Barroquinha, sapatos bico fino (e furados

- Sabe nenos...

Ele sempre usava essa expressão quando desejava demonstrar superioridade intelectual ou conhecimento por conta da sua idade. Certamente não aparentava um cara burro. Era articulado e atento.

- Soy Índio, pele colorada, índio americano.

Juan soltou uma gargalhada incontida por quatro segundos e parou, pediu desculpas e fez uma cara de que não estava compreendendo porra nenhuma. Agora tratava -se de um índio americano, professor de Matemática. Claro e por que não? As cholas silenciaram a conversa, tentando entender o que estávamos conversando e o que motivara a risada de Juan.

Mas, o que estava ainda por vir era muito mais revelador, Rubens então chama à garçonete que vem baforando um gigantesco charuto cubano, segundo ela. Rubens então pede que traga uma dose de pisco. Em menos de dois minutos es que retorna eficaz, com um copo do tipo de pinga, onde Rubens numa talagada só coloca pra dentro, para, respira fundo e depois de um suspiro nos diz:

- Yo vivo com um hombre hace 20 años.

A afirmativa cai como uma bomba de gás hélio. Vontade de rir, somado a desconfiança, mas afinal será que aquela cerveja, na cabeça dele poderia nos custar algum preço? Certamente não estávamos dispostos a pagá-lo.

Após o desabafo de Rubens, mais um minuto de silêncio. Ele agora olha para o copo de cerveja com os olhos cheios de lágrima e a cara retorcida como se discutisse consigo mesmo, como se estivesse imerso em pensamentos desagradáveis. Seus lábios tremiam e uma gota escorre pelo seu rosto enrugado. Logo ele enxuga a lágrima com a sua gravata azul marinho.

Juan me olha e balança a cabeça levemente para um lado e para o outro, a desaprovação do argentino é nítida.

Rubens então pede outra cerveja, acende um charuto cubano e nos olha com ar de riso, a cara fechada e tensa passa a se dissolver em nossa frente. Um largo sorriso se abriu e vira uma longa gargalhada.

- Seguro, esto es la verdad! Vivo com un hombre hace 20 años y nada me importa, no tengo medo de la sociedad, no quiero nada de vos chicos, me gusta solamente hablar.

Eu certamente já não conseguia compreender mais nada. Rubens era uma figura tombada pelo patrimônio de La Paz. Tive vontade de saber mais sobre aquele solitário homem. Não posso julgar suas palavras como mentira ou verdade, o fato é que passamos momentos interessantes, conversando com um sujeito diferente, com senso crítico aguçadíssimo e total coerência quando se referia aos fatos alheios. Só que no quesito vida pessoal, Rubens foi além e não nos fez claro o suficiente, talvez propositalmente, talvez inconsciente.

Minutos antes de deixarmos o boteco, Rubens pedira licença para ir ao banheiro. Não hesitamos em aproveitar a oportunidade para questionar à garçonete a real história dele, e surpreendentemente ela sabe apenas um pouco mais do que também sabemos. Ele freqüentava o bar há 20 anos e ninguém nunca soube da sua real história. Especula-se apenas sobre a sua nacionalidade, que seria chilena e que foi exilado do Chile na época de Pinochet.

Ainda aproveitando a ausência, pagamos as cervejas, exceto a que nos fora presenteada, nos levantamos no momento em que ele chegou, Juan então disse:

- Amigo, tenemos que ir!

Rubens nitidamente demonstrou tristeza, como se a nossa saída fosse representar o seu retorno ao mundo da solidão e dos pensamentos depressivos. Ele pergunta:

- Amigos, estoy a molestar?

- Seguro que no! Disse Juan!

- Entonces que se va bien nenos, hay que estudiar e cambiar el mundo. Gracias por la presencia.

Então respondi:

- Gracias a vos senhor!

Rubens sorri e me agradece a gentileza de falar em castelhano, elogia meu sotaque argentino, nos da um abraço, senta à sua mesa e a sua saga de solidão recomeça.

Seguimos em direção a saída e nos despedimos da garçonete. Já estávamos descendo quando Juan deslancha outra gargalhada no momento que escutamos:

- Que se va! Que se va!



Alguém nos pragueja!

*Leonardo Parente

Foto: Leonardo Parente (La Paz, 2007)

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Rubens maravilha. (PARTE I)

É difícil escrever algo sobre a Bolívia, pelo menos algo que possa soar como uma crônica, um conto. Esse país é um caso a parte na América do Sul, disso não tenha duvida, pois seu dia-a-dia é uma história em quadrinhos cult.

Portanto amiguinhos, resolvi contar alguns “causos” peculiares deste país e quem sabe dos outros países em que passei, nesta trip que durou 31 dias pela América do Sul.

La Paz, 29 de janeiro de 2007. Dia frio, extraordinariamente frio. Ainda não era a época, mas La Paz resolveu presentear-me com -1º (um grau Celsius negativo) de temperatura, mesmo assim eu e Juan, um Argentino de Corrientes, analista de sistemas que conheci num ônibus de La Paz (Bol) a Cuzco (Pe), e acabou sendo uma grande força na viagem.

Andando pelo Centro de La Paz, vi a mais variada quantidade de bugigangas possíveis como: gorros de lã de lhamas ou alpacas, canivetes suíços, filmadoras, câmeras digitais, lanterna, roupas e até cocaína, discretamente é claro.

La Paz certamente é uma filial de Ciudad de Leste (Paraguai), perdendo apenas para o mercado central de Cochabamba. Nele também se vende quase tudo, de videogame Nitendo® a DVD pirata de “Ciudad de Dios”, nosso Cidade de Deus produzido por Fernando Meirelles, vi esse filme em todos os camelôs e lojas de DVD da Argentina, Chile, Bolívia e Peru.

Resolvemos então tomar uma cerveja é claro que pra variar, seria uma Paceña morna. É impressionante a dificuldade de achar algum líquido gelado na Bolívia, seja cerveja, refrigerante, Inka Cola ou água. “La Cerveza esta fria senhor!” é o que eles sempre dizem.

Procurávamos por um lugar que milagrosamente pudesse nos proporcionar o prazer de tomar uma gelada, andamos então do Mercado das Bruxas até a Plaza Murilo, foi quando avistamos um discreto ambiente com uma placa da “Cerveza Paceña” acesa. Na foto a cerveja estava suando fria e deliciosamente gelada.

O nome do bar era “El Borracho”. Uma coisa típica do boliviano é a sua cara de pau, esse comportamento ora é conveniente, ora nem tanto. Um bar com nome de “Ô Bêbado” é tão original para um bar da Bolívia que arrepia. A entrada do bar é um longo corredor. Em suas paredes pixações, grafittes com o rosto de Evo Morales. Esse corredor se findava no início de uma longa escada de madeira, que fazia um rangido de filme de terror a cada vez que pisávamos.

Do pé da escada já pude escutar estalos de madeira, cheiro de charuto e murmúrios.

- Carajo!
- Hijo de puta!

Juan sempre medroso, atrasa o passo e eu adianto. Olho para trás e ele diz:

- Leo no me gusta estar a cá.

Disse a ele que não achava perigoso, então ele com os dois ombros projetados para cima e para baixo, balançando a cabeça para um lado e para o outro anuncia que tudo bem. Era muito difícil Juan discordar de algo, ainda que isso pudesse custar sua cabeça. De certa forma deu um gostinho ditar ordens a um argentino.

Entramos de uma vez, sentamos perto da janela, o forro da mesa era uma espécie de calendário com uma boliviana nativa nua, só que não me parecia uma modelo. Pedimos uma cerveja litro, bem comum na Bolívia, Argentina e Peru, mas no caso da Bolívia, se rolasse uma de dez litros também seria bastante normal, pois tudo pode acontecer de estranho nesse simpático país.

Ao nosso redor muitas mesas e cadeiras, do meu lado esquerdo duas “cholas” dividindo uma pet de 2 litros de coca-cola. Para quem desconhece o assunto, “cholas” são senhoras que encontramos espalhadas por grande parte da América. Normalmente são índias que se vestem de forma peculiar, com muitos panos coloridos e um chapeuzinho redondo. Não costumam ser muito simpáticas e se você vacilar, certamente será passado para trás. Claro que isso não é regra, encontrei diversas senhoras humildes e prestativas, porém o seu odor é bastante desagradável. Muitas moram nas redondezas de La Paz, em alguma cidade próxima e vai para a capital trabalhar na feira, lavando roupas entre outras coisas. Penso que seja esse o motivo para tanto fedor, que me desculpem os amigos bolivianos.

Mais à frente, tinha uma mesa rodeada com cerca de dez velhotes fumando charuto, cachimbo e até erva danada...

* Leonardo Parente

CONTINUA...